«Parece, não parece?
Eu era a menina mais inteligente da minha turma, a primeira de toda a escola. Era o orgulho da minha família. Os outros meninos pediam-me os cadernos emprestados por causa de os ter bem organizados. Os professores passavam a vida a elogiar-me por ler mais livros que todos os outros. Às vezes até me perguntavam coisas que eu não sabia. Prometia muito: era o orgulho da minha família!
Depois comecei a crescer. Os meus peitos começaram a notar-se, o meu cabelo cada vez mais comprido, e a minha boca já não era a boquinha de uma menina, e pelo contrário, despertava o interesse dos professores... Então, tudo ficou diferente! Eles diziam assim: "Não importa que aches a Matemática difícil: afinal és só uma menina. E não te preocupes tanto com as ciências, Lisa. São coisas complicadas, coisas de homens!". Se eu quisesse lutar, discutir ou saltar, "Não, nem penses. Por favor! Tens que ser boazinha,é preciso sorrir e cativar as pessoas. Não podes ser tão ágil. Sê mais sedutora... é só isso... Olha como andas? Mexe um bocado mais as ancas."
E fizeram-me aprender a bordar, a sorrir, a cozinhar os pratos mais deliciosos - os homens gostam de comer bem! -, ensinaram-me a cuidar dos filhos.
Punham-me louca!! Toda a minha juventude a pensar nisso: "Este não: quem é o pai dele? - Este não, vive numa casa feia! - Este não, que é muito pobre! - Este sim que é rico, gordo e velho e tem uma boa posição social. Este sim!". E eu tinha que conquistá-lo. Tinha que ser perfeita: queriam que eu fosse sexy mas ao mesmo tempo que fosse virgem; queriam que eu fosse forte, mas que passivamente obedecesse ao meu homem; queriam que eu fosse vulnerável para que ele pudesse conquistar-me, mas ao mesmo tempo queriam que eu me defendesse por mim mesma. Queriam que eu fosse inteligente, sim, mas só o bastante para esconder a minha inteligência e não humilhar os homens. Queriam que eu fosse desejada por todos, mas que tivesse um dono só. Até que um dia me casei.
E eu que prometia tanto, agora sou o quê? Uma mulher do lar? Eu que prometia tanto, sou o quê?»

Lisa em As Mulheres de Atenas
de Augusto Boal

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